domingo, 28 de fevereiro de 2010

Assistencialismo ou Assistência Social

Recentemente recebi um desses emails que percorrem avassaladoramente todos os correios eletrônicos enviados para a caixa postal de “todos do meu grupo”.
O fato é que o assunto me fez refletir mais uma vez, sobre as Políticas Nacionais de Assistência Social, e digo “mais uma vez” porque isso já me é corriqueiro no meu cotidiano de trabalho com a demanda que recebo.
Para meu espanto, é que estes tipos de emails são propagados com cada vez maior frequência, encaminhados para outras tantas centenas de pessoas sem ao menos cada leitor analisar a notícia e se inteirar melhor sobre o assunto descrito, auxiliando na coerente divulgação, sequer colocando-se numa postura crítica sobre.
Tal email se reportava a respeito do benefício Bolsa-Família, programa de governo federal criado pela gestão Lula. O texto discorria sobre valores, e valores estes sendo altos, com o qual qualquer beneficiário poderia deixar de trabalhar formalmente com todos os seus vínculos e encargos empregatícios, vivendo apenas, e muito bem, por meio do recebimento do benefício.
O que me surpreendeu é que, já tendo atuado profissionalmente com estes tipos de programas destinados à população mais carente economicamente, os valores não correspondem à verdade e às propostas do programa. Alguns benefícios já nem existem mais, ou foram incorporados em um único outro, e ainda assim eram divulgados na notícia. E se não bastasse, a circulação do tal email é promovida por outros, e mais outros, sem nenhuma análise, ou melhor, com várias análises, todas negativas e pejorativas de nossa nação.
É indiscutível que as políticas assistenciais do atual governo foram um avanço nas propostas dos Planos Nacionais de Assistência Social, contudo, é claro, acredito que necessitam de melhorias e outras adaptações no intuito da emancipação das famílias e seus beneficiários.
Muito se tem criticado que alguns beneficiários destinam o valor recebido para outros fins que não os de primeiras necessidades familiares, contudo, no campo na psicologia, devemos analisar cada caso, e tendo isto ocorrido e dependendo do destino dado ao benefício, será que não incorreríamos no erro de tirar os sonhos desses consumidores, desmotivando-os para outras conquistas quaisquer na vida?
Pouco tempo depois de receber o email, li um pequeno artigo em um jornal da região, escrito pela renomada psicóloga e professora Geraldina Porto Witter, o qual sim, encarei como uma excelente reflexão política acerca do tema.
Não tendo comentários sobre seu texto, pois o mesmo já é muito explícito, reescrevo-o aqui na sua íntegra, pois vários internautas não o leram no impresso:

Ainda a bolsa de manutenção da miséria
Foi da Bolsa-Escola (anos 90) que nasceu o Bolsa-Família como estratégias governamentais, no primeiro caso, principalmente para que as famílias pobres mantivessem seus filhos na escola; no segundo, para acabar com a fome e a pobreza. Como bolsa, é um auxílio que deve seguir normas, inclusive de condições para recebê-la e de duração.
Certamente todos concordam com a importância da inclusão de todos os brasileiros no sistema educacional, bem como, com a eliminação da situação miserável em que se encontram muitos brasileiros. São problemas com amplas implicações sociais, econômicas, políticas, financeiras, além dos aspectos envolvendo o desenvolvimento humano.
A Bolsa deveria, se eficaz, ser necessária por algum tempo, reduzir e anular as contingências adversas de vida. O número de atendidos progressivamente deveria diminuir, pois se estaria reduzindo o número de pessoas vivendo em tais condições. Mas parece que isto não está ocorrendo e frequentemente o governo aumenta os milhões de bolsas a serem dadas. Depois de tantos anos, não diminui o número dos carentes de bolsas! Está aumentando os que estão nesta situação precária? Até quando se ficará com medidas paliativas? Quando estratégias realmente capazes de mudar a situação serão utilizadas?
É preciso dar educação de qualidade a todos os brasileiros para que realmente as pessoas e o Brasil progridam: educar os pais para que tenham só os filhos que realmente possam sustentar e educar; dar condições a todos de se prepararem para o exercício de uma profissão honesta, melhorando o potencial das pessoas para este setor da vida; cuidar para que o desenvolvimento do País realmente resulte em abertura de empregos; reduzir o inchaço de gastos do governo e outros gastos só para fazer vitrine.
O programa Bolsa-Família tem sido palco de diversas transgressões com o beneplácito governamental. O último foi o “perdão” aos que não se recadastraram e que poderão ficar como bolsistas até 31 de outubro. Não dá para esconder fins eleitorais, é tão descarada a medida que até na Instrução Operacional nº 34 fica uma ameaça implícita se o governo atual não eleger a sucessora que pretende. É absurda a sugestão, mas de onde surge não é de estranhar e tem impacto. O difícil é aceitar placidamente atitudes deste tipo.
É de se esperar que seja reavaliado e corrigido seriamente o programa e que realmente sejam usadas estratégias para tirar as pessoas da miséria e não para formar curral eleitoral facilitado pela ignorância, falta de informação, fanatismo, falta de conhecimento, incompetência profissional e as demais mazelas associadas à miséria.
É essencial o respeito à legislação, às normas e demais preceitos legais, caso contrário se alimenta o desrespeito, o vandalismo, a corrupção, a injustiça, o despotismo e tudo o mais de negativo que pode ocorrer em uma sociedade. Vale começar a salvaguardar os limites de decisão e de ação de cada um dos três poderes, que está sendo frequentemente ignorado. É urgente rever o que fazer para resolver de fato os problemas dos milhões que vivem do Bolsa-Família.

(Geraldina Porto Witter é doutora em Ciências, livre-docente em Psicologia Escolar; professora emérita da UFPa e do Unipê, coordenadora-geral da pós-graduação stricto sensu da Unicastelo e membro da Academia Paulista de Psicologia.)

Psicologia & Politização

Caros Colegas,

Há muito venho refletindo na criação de meu próprio blog no intuito de enveredar sobre os assuntos ligados às ações cotidianas e, sobretudo aos diálogos e comentários dos indivíduos que nos cercam.
Mais ainda me impressiona quando encontro tais ações provindas de jovens (ou também de adultos imaturos) que escolhem percorrer o caminho por meio dos estudos embasados na ciência da psicologia e seguir por esta profissão.
Decidir se tornar um profissional da área da saúde mental, se especializando na análise e compreensão do psiquismo humano é uma tarefa nada simples, e além de infinita busca por capacitação técnica exige do sujeito, uma porcentagem de humildade. Digo isto devido ao fato que, a psicologia nos remete a um certo mito de “poder” que o profissional tem sobre à mente humana, e isso, muitas vezes, se faz dirigir à conquista de um status social que é (fantasiado) almejado. Abro um parêntese aqui, esclarecendo aos leigos que, a psicologia não lê a mente humana, mas labuta sobre seu entendimento e reestruturações psíquicas e mudanças do comportamento.
Se o candidato à formação psicológica busca este tipo de reconhecimento, aprecia a ideia de ser um notável em seu meio e de se sentir amado, talvez a psicologia não seja a melhor escolha profissional.
No livro de Contardo Calligaris ("Cartas a um jovem terapeuta"), aprecio sua descrição quando diz que, se pudesse colocar alguns critérios de personalidade avaliadores do candidato à psicologia, anunciaria:
1) Um gosto pronunciado pela palavra e um carinho espontâneo pelas pessoas, por mais diferentes que sejam de você. Proponho-lhe um teste um pouco difícil, mas afinal, você deve tomar uma decisão importante: bata um papo com dois ou três moradores de rua, aproxime-se, deixe-os falar o que, em geral, ninguém escuta (salvo justamente os psicoterapeutas dos Centros de Atenção Psicossocial). Se você conseguir escutar, digamos, uma hora, sem que o discurso (quase sempre desconexo) abale sua atenção, e se não recuou instintivamente quando eles passaram uma mão encardida na sua camisa ou direto no seu braço, passou no teste. Repita, se possível, com outras amostras: pacientes psiquiátricos numa enfermaria ou num hospício, pacientes terminais num hospital geral e pessoas assoladas por um luto;
2) Uma extrema curiosidade pela variedade da experiência humana com o mínimo possível de preconceito. Você pode ter crenças e convicções. Aliás, é ótimo que as tenha, mas, se essas convicções acarretarem aprovação ou desaprovação morais preconcebidas das condutas humanas, sua chance de ser um bom psicoterapeuta é muito reduzida, para não dizer nula.

Achei excelente essas observações expostas!
Tendo minha atuação em uma entidade inserida na rede de atendimento social da região, comumente recebo encaminhamentos de indivíduos que no seu relato discorrem sobre a atuação de outros profissionais. Não é raro também ouvir comentários sobre jovens que na sua formação acadêmica, seja estagiando ou se voluntariando, cometem pequenos erros, até perdoados se fossem bem supervisionados, mas que para um indivíduo já angustiado, se torna avassalador.
Acredito que para ser um bom profissional psicoterapeuta, é útil que a pessoa interessada possua alguns traços de caráter ou de personalidade que estejam com ela desde a mais tenra fase da vida e que dificilmente podem ser adquiridos no decorrer da formação técnica.
Já que, indiferente aos traços de personalidade, é crescente o número de pretendentes à formação de psicoterapeutas, a minha indagação é: a escolha pela profissão Psicologia se baseia em motivações conscientes e/ou inconscientes?
O psicólogo e professor da Universidade de São Paulo, Antônio Geraldo de Abreu Filho, discorre sobre um paralelo com a teoria kleiniana da “reparação”, alegando que pode ser a base para a escolha profissional: “Para que a mesma ocorra, o indivíduo deve possuir a capacidade de se identificar com a pessoa amada, desempenhando o papel de boa mãe ou de bom pai, agindo com ela como seus pais se comportaram com ele, desempenhando também o papel de criança boa com os pais, papel que gostaria de ter feito no passado e agora se recria no presente.”
Segundo o autor, a escolha profissional busca a reparação dos objetos danificados em fantasia e somente com a autêntica reparação o indivíduo possuirá clareza quanto a seu papel profissional. Afinal, quando busca uma profissão, na realidade procura um reencontro do objeto que imaginava ter destruído.
Abreu Filho ainda indaga: “Qual a relação que o aluno estabelece quando ‘escolhe’ psicologia e qual tipo de reparação de conteúdo manifesto e latente tal ‘escolha’ está apoiada?”. Segundo o autor, essas e outras questões, como o desamparo desses futuros psicólogos que muitas vezes não fazem uma análise pessoal e necessitam de um cuidado maior, poderão ser respondidas em futuras pesquisas.
Outra questão que me faz refletir sobre o papel do psicólogo é sobre sua posição que ocupa diante todos os entraves sociais. É neste cenário que avalio a importância de uma postura crítica e politizada abrangente, rompendo as paredes e as confortáveis poltronas do consultório clínico.
A defesa que cada profissional faz da sua área de atuação se torna um evento que perpetua o confronto diante daquilo que se torna mais importante na profissão: o outro. A constante discussão de profissionais clínicos que não exercem um papel social, ou do psicólogo educacional que fecha os olhos à área de saúde hospitalar... enfim, uma variedade de atores que se abstém mediante outro campo de atuação, me faz refletir politicamente sobre nossa formação.
Acredito que, invariavelmente, nossa formação é clínica, e esta é a base para todas as atuações em qualquer espaço profissional. A diferença que coloco em minha reflexão, são as oportunidades de instrumentos oferecidos em cada campo. Obviamente, não é de função do psicólogo clínico entregar uma cesta básica diante da escuta de um paciente que se queixa de sérias dificuldades socioeconômicas, o que acarreta em sua angústia, motivo da busca psicoterapêutica; no entanto, o psicólogo comunitário se permite aproximar mais amistosamente de seu grupo, criando novos contatos de comunicação como o toque por meio de um abraço motivador, o que seria repudiado pelo psicólogo clínico. Ou ainda, o profissional psicanalítico hospitalar poderá não se utilizar de longos recursos interpretativos num momento em que o paciente poderá não estar mais vivo no dia seguinte.
Faço uma ressalva política: quantos profissionais psicólogos lutam contra o “Ato Médico”? Afinal, seja em qualquer campo, nossa ação é sobre a saúde dos sujeitos, e conceito de saúde nacional está ligada diretamente ao Sistema SUS.
Uma visão politizada na decisão das ações psicológicas é demasiada importante e necessária, uma vez que a vida de um único sujeito é influenciada por toda uma globalização de eventos significativos em seu contexto de vida.
A profissão Psicologia nos cobrará em nossa atuação, visto que, na crise moral sem precedentes por qual passa a humanidade, pela explosão do egoísmo que se traduz na enorme devastação que ensanguenta e destrói, ameaçando arrasar as maiores conquistas da civilização, pondo a prova os nossos sentimentos de tolerância e bondade, é justo e confortador salientar o papel altruístico do psicólogo nesse quadro rubro e sombrio, procurando salvar vidas de amigos e inimigos, aliviando, reparando, unindo e construindo com amor o que o ódio, o ferro e fogo danificaram e destruíram.
Portanto, aos que escolheram essa profissão, consciente ou inconsciente, não desistam. A recompensa será um dia maior que os percalços enfrentados.