domingo, 30 de maio de 2010

Equívocos ou inabilidade política ?

Não há muito tempo, presenciei uma solenidade pública de grande importância para uma gestão governamental, quando então todos os presentes ficaram surpresos com a fala de uma personalidade altamente representativa do poder público.
Durante seu discurso, tal ilustríssimo senhor expôs que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90) errou em não admitir a possibilidade de que crianças com 12 anos de idade pudessem trabalhar, o que assim promoveria a valorização do dinheiro pelo seu próprio ato.
Oras, meu caro senhor, um pouco mais de informação técnica e proximidade com os objetivos que levaram a promulgação da lei, talvez respondessem seus equívocos retóricos.
Primeiramente, ressaltamos que, toda criança e adolescente é um sujeito de direito em condição peculiar de desenvolvimento, e por este motivo, é urgente garantir o tempo social de infância e juventude, com escola de qualidade, visando condições aos jovens para o exercício e vivência de cidadania, que permitirão a construção dos papéis sociais para a constituição da própria sociedade, não sendo portanto, o trabalho infantil que favorecerá a obtenção da condição de cidadão e maturação de seu desenvolvimento.
A infância é uma das fases do desenvolvimento dos indivíduos e, por ser um período de grandes transformações, deve ser pensada pela perspectiva educativa. O desafio da sociedade é educar seus jovens, permitindo um desenvolvimento adequado tanto do ponto de vista emocional e social quanto físico.
A inserção da criança e do adolescente no mundo adulto não se faz especificamente pelo trabalho, mas sim propõe, em nossa sociedade, ações que assegurem este ingresso, de modo a oferecer-lhe as condições sociais e legais, bem como as capacidades educacionais e emocionais necessárias. É preciso garantir essas condições para todas as crianças e adolescentes.
Discursos como tal que foi apresentado na solenidade, em sua quase totalidade – ou por que não totalidade – são dirigidos às camadas pobres de nossa nação, onde se encontram os sujeitos segregados e desprovidos de seus direitos. O trabalho infantil é para o pobre que deve aprender a ganhar seu pão com suor e calos nas mãos, que deve aprender a arte da economia no mísero orçamento familiar; porque para os bem abastados, seus filhos não vão ao trabalho devido à sua agenda completa com o colégio particular, shopping, inglês, informática, clube esportivo, diversão e festinhas.
O trabalho infantil é reflexo da marginalidade e exclusão social que vivem diversas famílias, portanto, a infância é momento importante na construção de um projeto de vida adulta. Toda atuação da sociedade voltada para esta fase deve ser guiada pela perspectiva de orientação. Um projeto de vida não se constrói com segregação e, sim, pela orientação escolar e profissional ao longo da vida no sistema de educação e trabalho.
Na posição de um personagem político, creio que deve ser de seu conhecimento as políticas públicas que se investem na área dos programas de assistência social. Dentre eles, foi criado pelo governo federal, o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), cujo objetivo visa erradicar todas as formas de trabalho de crianças e adolescentes menores de 16 anos e garantir que frequentem a escola e atividades socioeducativas e a centralização nas ações sobre a família; contribuindo assim para o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes, oportunizando o acesso à escola formal, saúde, alimentação, esporte, lazer, cultura, profissionalização, bem como a convivência familiar e comunitária.
Seria interessante olharmos pelo ângulo do “melhor interesse da criança e do adolescente”, conforme proposto pelo ECA, fazendo o paralelo então de que, o trabalho infantil promoverá a valorização de suas próprias conquistas e esforços na luta pelo sobrevivência; no entanto, este raciocínio nos leva a notar claramente que o melhor interesse da criança se refere ao melhor interesse do adulto que faz tal equívoco, desconsiderando as necessidades, direitos e garantias do público infanto-juvenil.
Inviabilizar as condições indispensáveis para o satisfatório desenvolvimento infantil constitui uma violação de direitos, e o enfrentamento de todas as formas de violação, enquanto mecanismo e promoção e proteção de direitos humanos, deveria se explicitar mais efetivamente através dos espaços públicos e mecanismos de acompanhamento, avaliação e monitoramento, isto é, do controle pela sociedade civil organizada e órgãos governamentais e institucionais.

Referencio o slogan “com o trabalho infantil, a infância desaparece”. É preciso retirar a criança e o adolescente do nicho de sacralização e idealização em que muitas vezes nosso discurso os entroniza, para lutar mais concretamente e criticamente pela retirada deles dos círculos da exclusão e desvalorização.
Por mais que se possa afirmar que uma expressão seja apenas uma posição particular e pessoal, talvez não se justifique os equívocos, pois são as diversas micro-reflexões que constroem as expressões macro-sociais, ou seja, enquanto não se mudar a visão individual, não se concretizará uma nova cultura social.
Sábias são as palavras de Wanderlino Nogueira (ex-procurador do Ministério Público da Bahia): “até quando seremos agentes transformadores da realidade ou apenas gestores da barbárie social ?”